Humberto Coelho Neto e Silva, 53, é um cara entusiasmado e cheio de energia. Fundador da Associação Brasileira de Portadores da Hepatite, ele transformou a sua vida e a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo se tornando um líder humanitário e referência mundial na luta contra a Hepatite. Natural de Santo André, estado de São Paulo, e formado em Publicidade e Propaganda, Humberto é um dos membros da Rotarian Action Group, uma associação que visa prestar serviços humanitários com mais de 1,2 milhões de membros voluntários no mundo inteiro. Dentro da Rotary ele se destaca como criador do projeto Hepatite Zero, que tem foco na prevenção, detecção e tratamento das Hepatites Virais.
Ao se preparar para fazer uma viagem à África do Sul em 2010, ele descobriu o vírus da Hepatite e uma cirrose bem avançada. “Desde então, fiz um voto à Deus que, independentemente de se curar ou não, iria trabalhar até o final das minhas forças para ajudar outras pessoas acometidas por essa doença”, revela à equipe da ATLANTICO. Na conversa a seguir, Humberto conta ainda que já tinha contato com outras causas humanitárias antes de tentar erradicar a hepatite e nos deixa a par de todas as ações desenvolvidas até então na luta contra a hepatite ao redor do mundo.
ATLANTICO – Qual o cenário da hepatite no Brasil e no mundo? O que tem sido feito por meio das ações e projetos nos quais você participa?
Humberto Silva – Mais de 3 milhões de pessoas no Brasil tem hepatite e não sabem. Eu fundei a Associação Brasileira de Portadores da Hepatite em São Paulo (ABPH) e montei uma clínica gratuita com tecnologia de ponta. Depois veio a segunda no Rio de Janeiro e em seguida nas cidade de Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza e até em uma cidade do México. Mas, independentemente dessa clínica ter atendido cerca de 70 mil pessoas gratuitamente nestes últimos anos, nós fazemos também um trabalho grandioso de detecção da doença O exame custa barato. Nós oferecemos gratuitamente no Brasil inteiro e até agora já fizemos 1 milhão de testes.
ATLANTICO – Qual é o panorama do Brasil em relação ao tratamento da Hepatite? O Estado tem feito o seu trabalho? De que forma vocês dialogam com ele para chamar atenção à essa causa?
Humberto Silva – O Brasil é um país privilegiado e as pessoas não têm noção da conquista que nós brasileiros tivemos com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um sistema maravilhoso, embora o atendimento ainda seja um tanto precário. Bem ou mal, ele é um sistema que não desampara o brasileiro e nele consta atendimento à hepatite. No Brasil, a maioria dos pacientes acometidos pela doença recebem o medicamento. Antigamente, o governo apenas oferecia medicação aos pacientes que tinham problemas no fígado ou apresentavam um quadro mais avançado da doença. As coisas vêm melhorando mas, até hoje, há um atraso na distribuição dos medicamentos e ainda temos 12 mil pessoas na fila. Contudo, acreditamos que este cenário deverá melhorar em breve. Aquele que não está tendo acesso rápido ao tratamento pode entrar na Justiça para conseguir isso. Nesse ponto não temos problemas. O grande problema é descobrir a doença. Apenas 10% dos brasileiros sabem que têm hepatite. Nos Estados Unidos, esse número varia entre 20 a 50%.
ATLANTICO – Antes de liderar a luta contra as hepatites você já tinha contato com outras causas humanitárias?
Humberto Silva – Eu era presidente do Fundo de Assistência à Criança, uma ONG que cuida de crianças com câncer, através de casas de apoio e campanhas no Brasil inteiro. Hoje já temos na Avenida Paulista, São Paulo, uma clínica gratuita para o tratamento do câncer infantil. Só assim eu pude saber como agir numa ONG a nível profissional e empresarial, para que eu pudesse estar preparado quando chegasse esse meu caso pessoal que acabou se tornando uma causa mundial.
“Apenas 10% dos brasileiros sabem que têm hepatite”
ATLANTICO – Como foi o momento da descoberta da Hepatite?
Humberto Silva – Em 2010 eu tinha a responsabilidade dessa ONG. Expandimos para outros lugares e tínhamos trabalhos a serem realizados no continente africano. Nessa época, eu decidi fazer uma viagem à África do Sul para assistir a Copa do Mundo da FIFA e depois eu iria visitar algumas cidades do continente a fim de ajudar crianças com câncer. Para isso, eu precisava tomar algumas vacinas e o médico me recomendou que eu fizesse alguns testes, inclusive o de hepatite C. Daí eu tive essa surpresa. Eu costumo dizer que foi graças à África que eu descobri a hepatite. Eu assisti à Copa e fiz meu trabalho com as crianças. Quando retornei ao Brasil para me tratar eu já estava com uma cirrose bastante avançada e se eu não tivesse descoberto isso por conta dessa viagem, eu iria morrer. Eu me senti abençoado por ter descoberto a doença enquanto a maioria das pessoas a desconhecem. Então, graças à essa causa, eu me tornei aquilo que sou hoje e percebo que foi uma providência divina para que eu pudesse me inserir no ramo da filantropia e também do marketing filantrópico.
ATLANTICO – O que mudou nos últimos tempos relativamente ao cenário da Hepatite?
Humberto Silva – O cenário mudou bastante porque a hepatite era uma doença totalmente silenciosa e não se falava muito sobre ela. A doença passou a ter mais visibilidade. Há uma repercussão enorme na mídia. Cerca de 196 países já se reuniram a fim de reduzir os casos da doença até 2030. Mas apesar de terem assinado este acordo, os países precisam colocar essas ações em prática. O grande e maior problema da hepatite é que ela deve ser encarada como uma doença a ser descoberta. O enfrentamento é anterior ao tratamento. É preciso descobrir essas pessoas contaminadas.
ATLANTICO – E de que forma as pessoas ajudam ou se engajam nessa causa?
Humberto Silva – Temos o nosso site com uma plataforma para doação. Também temos um canal para requisitar testes. As pessoas com maiores possibilidades, como por exemplo, as entidades, nos ajudam muito, ao mesmo tempo que elas aproveitam a oportunidade para expor as suas marcas. Essa ajuda é necessária.
ATLANTICO – Como as ações e projetos da Rotary têm sido executados no continente africano? E quais os próximos passos?
Humberto Silva – Hoje nós comandamos ações em mais de 200 países e estamos presentes em diversos países da África, principalmente. Teremos a campanha “Semana Panafricana da Hepatite Zero” que irá contemplar todos os países da África. Estima-se que 120 milhões de pessoas na África estejam infectadas com o vírus, uma catástrofe silenciosa. E o detalhe é que 30% dessas pessoas infetadas terão cirrose e precisarão fazer transplante ou poderão desenvolver câncer de fígado se não descobrirem a doença a tempo. Nossa missão é fazer essas ações na África. Elas serão feitas na última semana de julho e estimamos descobrir centenas de milhares de pessoas que tenham o vírus nos 54 países, algo nunca visto antes. Nós temos também uma campanha em São Tomé e Príncipe e queremos que este seja o primeiro país a erradicar a hepatite. Estamos testando a população toda e vamos tratar todos os pacientes. A via de transmissão mais recorrente é a sanguínea. Então o mais importante é ter cuidado com a doação de sangue.
ATLANTICO – Existem outras ações de combate à hepatite no continente?
Humberto Silva – Existem outras tentativa como, por exemplo, o pacto da ONU com os 190 países. Mas isso foi apenas uma folha de papel assinada. Entre assinar um papel e materializar isso na prática, um longo caminho deverá ser percorrido. 120 milhões de pessoas estão contaminadas na África e dar conta de tudo isso é um passo bem audacioso. Pouquíssimo tem sido feito e nós enquanto organização estamos saindo na frente. A Rotary erradicou a poliomielite no mundo. Apenas o Afeganistão e o Paquistão não foram ainda erradicados porque possuem territórios de difícil acesso pela questão das guerras. Queremos que a hepatite seja a próxima doença a ser erradicada.
ATLANTICO – Qual mensagem gostaria de deixar para aqueles que se sensibilizam com essa causa?
Humberto Silva – A minha história pessoal se tornou uma causa mundial. E em nome de todas as organizações das quais faço parte, convido as empresas, entidades e principalmente os bancos, governos a fazerem parte também, pois sozinhos não conseguiremos salvar o mundo. Por mais amor que eu tenha pelos nossos irmãos da África, não consigo dar conta sozinho.
A Hepatite se caracteriza como uma inflamação no fígado provocada por bactérias, vírus e também pelo consumo de produtos tóxicos como o álcool, medicamentos e algumas plantas. Ela pode ser transmitida através de relações sexuais sem proteção, consumo de alimentos ou água contaminados por fezes, contato com urina ou fezes de uma pessoa contaminada e partilha de seringas. A principal dificuldade para a sua erradicação consiste no fato dela se manifestar assintomaticamente no organismo da pessoa contaminada, fazendo com que a doença seja muito pouco conhecida. Cerca de 325 milhões de pessoas no mundo vivem com alguma forma de hepatite viral, e a doença causa 1,34 milhões de mortes por ano. Globalmente, estima-se que 71 milhões de pessoas estejam infectadas com hepatite C, mas apenas 20% delas foram testadas e estão cientes do seu estado.